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1 de set. de 2011

Favelas do Rio de Janeiro

              Essa semana, enquanto estudava Geopolítica para uma prova da escola, li uma reportagem do ano de 2004 do jornal "Folha de São Paulo" que chamou minha atenção por ter sido escrita a quase sete anos e ainda se mostrar muito atual. Ela foi escrita por Magnoli, D. em 21/10/2004.

              "Na linguagem da cartografia, a favela não existe. Nas plantas urbanas comuns do rio de Janeiro, o traçado das ruas interrompe-se nas favelas, como se os morros fossem áreas verdes, não ocupadas pela mancha urbana. 
             Na esfera da paisagem, a favela é a "outra cidade". As casas das favelas do Rio há tempo trocaram o zinco, a madeira e o papelão por tijolos baianos, mas se destacam no cenário pela ausência de revestimento. É que uma lei municipal estabelece a cobrança de IPTU sobre imóveis com acabamento. Na esfera do direito, a favela é a "cidade clandestina". A concessionária de eletricidade urbana ameaça abandonar o mercado do Rio pois cerca de um quinto da energia consumida é desviada por meio de ligações clandestinas ("gatos"). A "TV Rocinha" e negócios similares vendem assinaturas clandestinas de televisão a cabo nos morros, difundindo sinais por meio de "gatos". 
         No domínio das lendas urbanas, as favelas são os bárbaros que sitiam a cidade. Sob essa perspectiva, os "arrastões" são como sinais do apocalipse: o dia em que o "morro" descerá para invadir o "asfalto". Mas a dicotomia oculta as relações reais. O "morro" desce ao "asfalto" todos os dias para trabalhar, e o "asfalto" sobe ao "morro" todos os dias para comprar cocaína. As favelas do Rio deveriam ser interpretadas à luz do conceito de soberania. Soberania é o estabelecimento do direito positivo no interior de um território. A sua condição de existência é o monopólio estatal da violência legítima.
              O Rio é uma única cidade, bipartida pela fronteira entre o território do Estado e os territórios do tráfico de drogas. Forças brasileiras, em uniforme da ONU, operam na favela haitiana de Cité Soleil, reprimindo partidários do governo constitucional deposto para impor a autoridade de um governo ilegítimo. Mas, nas favelas do Rio, o Estado brasileiro cedeu o exército da violência a gangues de traficantes que mantêm os moradores do "morro" como reféns da sua autoridade privada. O mito do poder assustador das gangues do "morro" serve de álibi ao governo estadual e funciona como cínica justificativa para a manutenção do status quo. 
            A verdade é que as gangues do tráfico, constituídas por poucas centenas de criminosos, não passam do elo fraco do narcotráfico internacional. O seu poder é do tamanho da renúncia de poder do Estado. Dito de outro modo: é um subproduto da corrupção na política e das redes de negócios ilegais que se interconectam e percorrem as instituições públicas. 
             Autoridades estaduais estufaram-se de indignação patriótica diante de uma reportagem sobre o "morro" feita por um jornal britânico e prometeram continuar a farsa interminável da "guerra ao tráfico". Os moradores das favelas têm direito a títulos definitivos de posse da terra e dos imóveis, a endereços em logradouros oficiais com representação nas plantas urbanas, ao pleno usufruto dos serviços públicos, a um plano de moradia prolongada de cobrança de IPTU, a esquemas de descontos no acesso de TV por assinatura e, acima de tudo, à imposição permanente da ordem pública no "morro". Eis um programa simples de soberania nacional no Rio de Janeiro e uma plataforma para a intervenção federal no Estado."

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